Sacrifício e Disciplina

Sacrifício e Disciplina

Saber lidar com o fracasso

Quando trabalhamos a partir da missão e serviço, quando activamos o génio pessoal e seguimos o caminho da alma e da responsabilidade, seguimos o percurso da co-criação. No trajeto do serviço é importante saber lidar com o fracasso, porque é sempre inevitável, seja o que for que nos propomos a fazer ou concretizar, seguir pela alma e consequente alinhamento envolve sacrifício e disciplina, sempre. Tudo envolve sacrifício, presença e disciplina. Agora se o sacrifício e disciplina estiverem envolvidos em algo significativo, então vale a pena! Não quer dizer que não haja momentos em que vamos querer “mandar tudo às urtigas”.
A origem da palavra sacrifício fala de sacro-ofício, fala de trabalho sagrado, estabelece os passos que possamos dar para a sacramentalidade, para o contacto singular com o divino, quando em alinhamento e em exercício de manifestação da alma, em conexão com o divino (não como religião, mas enquanto espiritualidade). Qualquer concretização inclui algum custo, o que temos de perceber é se vale a pena, se estamos afim ou não. Porque nada é agradável ou edificante o tempo todo. Nada! Assim, o modo como lidamos com o fracasso é uma pergunta que nos devemos colocar: que luto, que sacrifício estou disposto a tolerar na minha missão, na concretização do meu sonho? O que determina a capacidade de concretização do sonho está ligado também à capacidade de ligar aos momentos decadentes, podres, desmotivantes, densos, difíceis, porque eles vão existir na mesma.

O significado último da missão singular pode fazer com que tudo valha a pena, mas isso só saberemos individualmente.

Com que experiências desagradáveis sou capaz de lidar durante este caminho, com as pessoas a rirem-se de mim e daquilo que pretendo, do que expresso, do que comunico, que representa a viagem da alma?
Ao acedermos à missão, ao sonho último, em alinhamento com o território, na cultura e na sociedade ocidental que é altamente dissociada e fragmentada, podemos deixar de encaixar. E isso é muitíssimo assustador e doloroso para todos. Então é importante quando definimos e criamos este sonho abraçarmos os constrangimentos que ele também nos traz. Sentimo-nos insensatos, perdidos, faz parte do caminho de alcançar algo importante, que traga significado. 

Como estamos dissociados destas dimensões, quando encontramos a missão acreditamos que o caminho a percorrer é pavimentado a ouro, com seres inefáveis a tocarem trombetas de ambos os lados, e que tudo será maravilhoso.

É glorioso sim, e também não é, mas pode ser extraordinário porque finalmente trabalhamos em função dos nossos últimos significados, que reverberam profundamente no núcleo da alma. Quanto mais nos assustam, as grandes decisões de vida, maiores são as probabilidades de termos mesmo de as tomar. Pois são os caminhos menos percorridos do território singular a que pertencemos, as tais áreas selvagens, onde ainda não fomos, as zonas de limiares e transições onde está o valor e a riqueza das coisas. Quando estamos na bolha evitamos sempre o confronto, evitamos estar desconfortáveis, prevenimos a vergonha e muitas pessoas não seguem a sua missão, propósito, sonho ou serviço porque têm vergonha do que possam dizer, sentindo-se humilhadas de não pertencer.
Na verdade, tudo isto tem a ver com assumirmos inteiramente a nossa vulnerabilidade, a melhor forma de lidarmos com o fracasso é assumirmos por inteiro a nossa vulnerabilidade, que é real e necessária. Todos temos as nossas razões para não fazer o que devíamos estar realmente a fazer com a vida e repetimos essas razões infinitamente em nós, justificamos o injustificável. 

[Disclaimer: Todas as palavras e conceitos tecidos no meu trabalho nascem através da minha Vida, naturalmente tendenciosa, e sempre limitada percepção das coisas, não assumindo que carreguem qualquer verdade absoluta. Escrevo a partir de um contexto de baixa intensidade sobre o norte global, em profunda consciência e responsabilidade pelo ecocídio e genocídio continuado pela modernidade.]

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Por Sofia Batalha

Sou ‘designer’ por formação académica, professora por acaso, escritora por necessidade visceral e investigadora independente por curiosidade natural. Sou mamífera, autora, mãe, mulher e tecelã de perguntas. Desajeitada poetiza de prosas sem conhecimentos gramaticais. Peregrina entre paisagens interiores e exteriores, recordando práticas cósmico-ctónicas em presença radical, escuta activa, arte, êxtase e escrita
Autora de nove livros e editora da revista online e gratuita Vento e Água, podcast Re-membrar os Ossos e Conversas D'Além Mar.