Princípios radicais da prática animista e xamânica deste território

Princípios Radicais da Prática Animista e Xamânica deste Território

O resgate e remembramento da antiga e complexa sabedoria sistémica do lugar que somos e ocupamos é um processo de vida, que se deve cuidar e atender em responsabilidade e integridade.

Estes são alguns dos princípios da raiz que guiam o meu caminho.

1. Sacralidade da natureza

A prática animista e xamânica (termo aqui usado como base genérica para compreensão de uma consciência e percepção de integração sistémica e sagrada com os lugares vivos) refere-se a uma profunda ligação primeva e experiencial com o lugar, sendo as populações referidas como nativos, indígenas, aborígenes ou autóctones.

2. Falamos de lugares e não países

Neste contexto o lugar ou território não equivale às fronteiras das nações actuais. O território é soberano e regido pelas suas leis tectónicas, geológicas, topográficas, meteorológicas assim como da sua complexidade biológica, cíclica e eco-sistémica. O que inclui todas as identidades culturais que nele habitam ou habitaram.

3. Diversidade e hibridação

O resgate e re-criação desta sabedoria ancestral local não tem que ver com o “reestabelecimento de uma pureza de linhagem cultural ou raça homogénea”, pois seria uma violenta redução da diversidade e hibridação natural da vida, tornando as culturas antigas e a sua representação limitadamente uniforme ou “universal”. Ignorando a profunda e valiosa complexidade dos processos de cada lugar.

4. Absolutismo cultural vs Descolonização da identidade

Não recordamos ou integramos raças, culturas puras, conhecimentos absolutos ou superiores a outros. Navegamos na valiosa diversidade de cada ecossistema, descolonizando a identidade cultural, trabalhando sempre em paradoxo não binário ou linear. Rejeitamos na totalidade o antropocentrismo pós-industrial ocidental.

5. Romantismo hierárquico e absolutista

Nobre selvagem vs primitivismo – É preciso cuidar das fantasias new-age das tradições indígenas como um estado paradisíaco idólatra romântico de qualquer tradição. O mito do nobre selvagem, sustenta uma falsa noção de natureza pura e uma falta de tensão entre os humanos e os lugares, e entre os próprios humanos. Por outro lado, a ideia do “primitivo” como inferior, imaturo ou menos evoluído do que a sociedade contemporânea é sempre limitada e eurocêntrica. Sendo uma investigação e pesquisa experiencial baseada no paradigma nativo/indígena, reformulamos o porquê do abandono e amnésia das raízes animistas no território. 

6. Do individual ao comunitário

A noção de individualismo moderno não cabe neste resgate, pois na cultura individualista a identidade está fechada à intimidade profunda com as constantes experiências de espiritualidade das histórias e conexões com todos os aspectos da vida lá fora. O resgate da consciência selvagem em reciprocidade com o território está fora desta caixa de modernidade individualista.

7. Da Mente ao Mundo

O resgate e incorporação desta sabedoria ancestral não é possível numa mente exilada que ignore outras fontes de inteligência, seja corporal, instinto, intuição ou imaginação. Assim como a hierarquia e mutilação da inteligência de outros seres e paisagens.

8. Experiência local e sabedoria eco-sistémica

O conhecimento primevo, apesar de gerado em biomas e paisagens particulares, é flexível e aberto a trocas sazonais, de tempo profundo, e culturais (sempre fomos nómadas), estabelecendo pontes, paralelos e diálogos. É experiência mutável em permanente transformação e evolução.

9. Tudo é vivo

Os lugares como uma comunhão de seres e não de objectos: toda a matéria e energia está viva e consciente. A sagrada vida fala sempre de ciclos de transição contínua. Actualmente encontramo-nos num ciclo de grande decomposição como em qualquer processo de compostagem.

10. Compromisso da diversidade

Activismo e compromisso que incluí vozes em diversidade, principalmente as mutiladas, ignoradas, silenciadas, negligenciadas ou proibidas. A sombra da história e da cultura são essenciais de enfrentar em humildade.

11. Do julgamento ao relacional

Neste tipo de consciência xamânica e selvagem não existe bom ou mau, ou ideal. Existem necessidades envolvidas pela riqueza contextual que as geram. Os rituais e práticas de relação ao sagrado devem sempre atender à especificidade do lugar e tempo concreto e não a dogmas ou receitas pré-feitas. É sabedoria contextual directa.

12. A Terra lembra-se – incluindo toda a história

A exploração e reconhecimento dos acontecimentos invisíveis e “sombrios” ocorridos, tais como a escravatura, o genocídio e o deslocamento são necessários para a cura dos lugares.

13. Incorporação somática

Residimos num corpo específico e num local concreto. É o ser e natureza. A incorporação não é um estado fixo, mas um processo de fora e dentro (que fazemos e que nos é feito). Não é nada passivo, completo ou constante. É um processo rítmico e depende de interações mútuas entre cérebro, corpo e lugar. Fala-nos de uma relação sistémica complexa de resposta recíproca. 

14. Os Outros não Humanos

Não temos maiores privilégios que os outros animais. A maioria das culturas indígenas contemporâneas não têm no seu léxico palavras que distingam pessoas, animais, paisagens ou plantas em categorias separadas. Fala-nos de igualdade, rede e reciprocidade em vez de hierarquia. Segundo estas visões do cosmos os humanos especializaram-se em pensar e as pedras em ser. Esta forma de ver o mundo é a fundação de uma humildade sóbria, mas extática.

15. Espontaneidade do Sagrado

Espontaneidade dos processos corporais, e mesmo dos pensamentos (se assim o permitirmos)! Para o paradigma controlador da mente ocidental parece intuitivamente impossível de conseguir, ou mesmo negativo, pois o processo é o de controlar. Na verdade, a profundidade da mente, o inconsciente, são as nossas áreas selvagens, e o ego consciente e controlador ocupa muito pouco. Pela espontaneidade podemos identificar-nos como uma co-criação colectiva. 

16. Co-criação

Inerentemente relacionada com auto-equilíbrio, pois fala de uma mente equilibrada no seu ambiente. Activa-se constantemente através de ciclos homeostáticos (mecanismos cíclicos de reequilíbrio o sistema dinâmico sempre que se desequilibra). É a compreensão que a consciência não é fechada no corpo, mas uma interrelação necessária entre cérebro, corpo e ambiente como diz Gregory Bateson.

17. Sabedoria Imanente

É o somatório de toda a nossa experiência, de toda a situação local, incluindo recursos fisiológicos e genéticos, pela co-criação com o resto do cosmos que espelha e expressa tudo o que o é.