Em nome da Imanência

A imanência é antiga mas amplamente esquecida. Num sentido colonizado, tem uma qualidade inferior, como se fosse uma coisa menor. Mas tem a ver com emaranhamento e interdependência, com um movimento secreto e vital de contínuo devir.

A imanência tem a ver com texturas, emoções de experiências e prática, com tudo o que flui através do corpo até à Terra sagrada. Tem a ver com uma realidade divina profundamente enraizada e elementar.

A imanência está a “tornar-se”, e “tornar-se” é um verbo. É uma criação que se auto-cria. Na minha mente aparece a imagem de um fio que se transforma infinitamente, sem orientação para a sua criação ou destruição eterna. Actua por sua conta e em reciprocidade, de uma forma criativa e reactiva ao seu contexto.

A imanência está viva, e emerge, transforma-se.

Esta imagem simbólica pode ser transposta para todos os sistemas vivos, teias abertas de emergência constante, orquestras sem maestro.
Para explorar a imanência, as suas melodias e ritmos intrínsecos de tudo o que é latente e natural, temos de nos reconectar com a natureza mais íntima da realidade.
A imanência emana da Terra, do seu núcleo. Da sua antiga e recíproca relação com tudo o que existe.

Ela é sagrada e precisa de ser lembrada, re-significada, pois fala na linguagem dos símbolos, sonhos, imaginação, e subjectividade.

Ela fala através da nossa barriga, dentro do nosso coração, e pela nossa intuição.
A imanência tem a ver com conhecer intimamente o seu lugar, onde os pés encontram o chão. Significa conhecer a sua história, origens, padrões, e o seu futuro. Significa respirar em ligação com a Terra. Significa lembrar-se de abrandar e ouvir.

A imanência foi culturalmente derrubada em nome da transcendência.

Num desdobramento transcendental, tentamos dar sentido à realidade, sentindo que ir para dentro das águas escuras da criação desperta dor, sombras, e lutos. Todos nós temos tanta dor enterrada nos ossos que não queremos embarcar nesta viagem, por isso continuamos para a luz – o caminho bem iluminado e pavimentado. Não queremos os meandros da dor, pois há muita na nossa vida real, por isso, porquê incomodarmo-nos.
Uma forma de restaurar a sacralidade de tudo é reconhecer os ciclos, incluindo os ciclos de dor e sofrimento que habitam no nosso corpo quando decidimos apenas viver e ir em busca da luz.
Desconsideramos que a transcendência está dividida do fluxo sagrado da realidade. Ela escapa para o cosmos seguindo as expectativas individuais, as coisas perfeitas, a harmonia, ou a paz. Não há nada de errado em esperar a paz, mas só a podemos alcançar, aventurando-nos no núcleo das coisas.
Ao contrário da transcendência, a imanência não é adquirida ou externa. Ela vive na sacralidade do nosso sangue, com as formas distintas e peculiares da nossa ligação única ao núcleo do cosmos.

A imanência não funciona com luz ou sensação de iluminação, pois trabalha nas profundezas e na escuridão que habita no misterioso negro que nos envolve a todos, o vasto abismo cósmico.

Tem a ver com mergulhos profundos, mas não individuais. Um mergulho profundo que reconecta e cura a teia da comunidade. São quedas de recordação que funcionam com toda a energia divina armazenada ao longo da fascinante teia da vida.
A imanência reconhece que o núcleo de todos os seres, nas suas múltiplas vozes dinâmicas, é a camada secreta de onde respira, exalando e inalando a sacralidade viva que habita no seu interior.
Precisamos de lembrar urgentemente do caminho interior, a única viagem que remenda a teia da criação. Se continuarmos a transcender e a fugir como o fazemos, esquecemos os ciclos, a respiração e mesmo quem somos.
Precisamos de nos lembrar do caminho interior que cura o entrelaçamento do universo.

©SofiaBatalha